Os perigos do bom filho
- Carla Santos
- 14 de set. de 2017
- 2 min de leitura
Os perigos do bom filho

O bom filho faz as suas tarefas a tempo, mantém seu quarto arrumado e limpo. Por vezes são um pouco tímidos e estão sempre disponíveis para ajudar.
Porque não colocam muitos problemas imediatos, tendemos a assumir que tudo está bem com as crianças boas, não se tornando alvo de uma preocupação particular. As pessoas imaginam que as crianças boas estão bem porque fazem tudo o que se espera deles.
E isso, é claro, é precisamente o problema. As dores secretas, e as dificuldades futuras, do bom menino ou menina começam com sua necessidade interna de cumprimento excessivo. O bom filho não é bom por uma peculiaridade da natureza, ele simplesmente não tem nenhuma inclinação para ser qualquer outra coisa. Ele é bom porque não tem outra opção. A sua bondade é uma necessidade e não uma escolha. Muitas crianças boas são boas por amor a pai deprimido que deixa bem claro que não podem lidar com mais complicações ou dificuldades. Ou talvez eles sejam muito bons para acalmar um pai violentamente irritado que poderia se assustar catastroficamente com qualquer sinal de conduta menos do que perfeita. Ou talvez o pai estivesse muito ocupado e distraído e, só por ser muito bom, a criança se tornará um pouco mais interessante, captando a atenção do adulto.
A repressão de emoções mais desafiadoras, apesar de produzir obediência agradável a curto prazo, pode acarretar enormes dificuldades na vida adulta.
Pais, cuidadores e educadores devem estar atentos a sinais de cortesia exagerada - e tratá-los como o perigo que são.
O bom filho torna-se um detentor de muitos segredos e um comunicador de coisas impopulares, mas importantes. Eles dizem palavras adoráveis, são especialistas em satisfazer as expectativas de seu público, mas seus pensamentos e sentimentos reais permanecem enterrados, potenciando sintomas psicossomáticos, contrações, explosões repentinas e grandes angústias.

A doença do bom filho é que eles não têm a experiência de outras pessoas serem capazes de tolerar sua maldade. Eles perderam um privilégio vital concedido à criança saudável, o de poder ser invejosos ou gananciosos e, apesar disso, continuarem a ser tolerados e amados.
A pessoa boa pode ter alguns problemas em torno da sexualidade. Se enquanto criança é elogiada por ser pura e inocente, quando adulto, pode desautorizar os seus desejos, ficar frio e desprendido de seu corpo.
No trabalho, o bom adulto também pode ter problemas. Enquanto criança, seguiu regras e agiu de forma a não irritar ninguém. Mas seguir as regras não o levará muito longe na vida adulta. Quase tudo o que é interessante, vale a pena fazer. Uma ideia brilhante sempre dececionará certas pessoas e, no entanto, vale muito a pena perseguir.
Ser devidamente maduro envolve um relacionamento franco e sem medos com a própria escuridão, complexidade e ambição. Envolve aceitar que nem tudo o que nos faz feliz agradará aos outros ou será tido como especialmente "agradável" pela sociedade, mas que pode ser importante explorar.
O desejo de ser bom é uma das coisas mais bonitas do mundo, mas para ter uma vida genuinamente boa, às vezes podemos precisar ser (pelos padrões da criança boa) corajosamente maus.
Traduzido/adaptado por Carla Rosa dos Santos a partir de: “Thinking Too Much; and Thinking Too Little” – Alain de Botton








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